Estreado em 07 de setembro 2013, Amanhã Foi Outro Dia foi o resultado de uma comemoração de parcerias: foi a primeira vez que o trabalho conjunto entre Teatro Por Que Não? e Teatro Universitário Indenpendente (TUI) saiu da administração do Espaço Cultural Victorio Faccin e entrou para os palcos.
A ideia de montar esse espetáculo veio da curiosidade em ver como esses dois grupos trabalham artisticamente juntos. Já tínhamos experiências muito positivas com parcerias: antes do TUI, trabalhamos com o grupo Cia. Retalhos de Teatro (com os espetáculos No Fio da Navalha e O Santo Parto) e com o Teatro Camaleão (com o espetáculo Acordo Íntimo), então para entrar em mais uma parceria foi um pulo!
Quando começou a rascunhar esse novo espetáculo, o TUI estava com poucos integrantes ativos, Cristiano Bittencourt e Marcele Nascimento, e super empolgado em embarcar em uma nova montagem. Felipe (Martinez, diretor), que já tinha expressado o desejo de trabalhar com os dois, comunicou ao Por Que Não? que dessa vez o grupo trabalharia nos bastidores (na criação de figurino, luz, som...), vasculhou entre inúmeros textos para teatro e achou Quando as Máquinas Param.
Diretor e atores Foto: Eduardo Ramos |
Quando as Máquinas Param é um texto de Plínio Marcos (1935-1999), que foi escrito em 1963. Curiosamente foi o texto que Felipe trabalhou quando estava no segundo semestre do Curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de Santa Maria, em 2008.
Dividido em quadros, o texto conta a história de Zé e Nina, casados, que se veem em uma situação crítica: Zé está desempregado, o proprietário da casa onde eles alugam está pedindo a casa de volta, Nina descobre que está grávida e momento econômico do Brasil está em decadência. Ainda assim, Zé recebe uma proposta de emprego que lhe rende uma nova esperança. Porém, Zé percebe que não é tão simples assim: ele descobre que para arranjar um emprego terá que sujar as mãos - suborno, compra de vaga e corrupção. Atrelado ao fato de estar casado, Zé engole seco e não aceita a proposta, volta para casa desiludido. Chegando em casa, Zé se depara com a notícia da gravidez de Nina e decide convencê-la a não ter o filho. Devota aos santos, Nina não concorda e insiste em ter o filho. A trama termina com Zé agredindo Nina com um soco na barriga.
As obras de Plínio Marcos mostram que, não importa o que aconteça, os personagens são condicionados ao meio que vivem. Ou seja, se a pessoa surgiu em um ambiente hostil, por mais que ela tente reverter a situação, sempre haverão obstáculos que tornará essa atitude impossível. Essa é uma das características do movimento artístico Naturalista. Além disso, preferindo retratar personagens marginais, Plínio escancara a realidade da sociedade brasileira, com seus abismos sociais, preconceitos e indiferenças.
“Não faço teatro para o povo, mas o faço em favor do povo. Faço teatro para incomodar os que estão sossegados. Só para isso faço teatro” - Plínio Marcos
Foto: Anderson Martins |
Percebendo que o Brasil não teve uma mudança econômica intensa (o tal "milagre econômico" do início dos anos 70 não era para todos, diga-se de passagem!), Felipe viu que a economia do início dos anos 90 não estava muito distante da economia dos anos 60 e resolveu transpor a história de Plínio para esse período.
Zé e Nina se tornaram Ezequiel e Joana e os quadros foram remexidos, ajustados, com trechos criados pelo diretor que deram uma renovada na obra de Plínio.
O primeiro obstáculo era atualizar o texto: as gírias que Plínio colocara no texto original já estavam em desuso nos anos 90. Palavras como batota, termos como "essa luz que me ilumina" eram muito marcados e de certo causaria estranheza para o novo público da primeira década dos anos 2000. Felipe se encarregou de pesquisar notícias, programas, propagandas que foram difundidas nos anos 90 e foi criando pontes para juntar o texto.
Isso influenciou diretamente na escolha de cenário, figurino e objetos cênicos. Como já foi comentado neste post aqui, o cenário foi pensado para retratar uma casa típica de uma família de renda baixa, com objetos típicos daquela década: quadros religiosos em molduras de plástico, vassoura de piaçava, bibelôs de gesso, frutas de plástico, toalhinhas com bordas de crochê... (quem foi criança nesse período dos anos 90, certo que vai identificar como a casa da tia, da vó ou da amiga da mãe...).
O primeiro obstáculo era atualizar o texto: as gírias que Plínio colocara no texto original já estavam em desuso nos anos 90. Palavras como batota, termos como "essa luz que me ilumina" eram muito marcados e de certo causaria estranheza para o novo público da primeira década dos anos 2000. Felipe se encarregou de pesquisar notícias, programas, propagandas que foram difundidas nos anos 90 e foi criando pontes para juntar o texto.
Isso influenciou diretamente na escolha de cenário, figurino e objetos cênicos. Como já foi comentado neste post aqui, o cenário foi pensado para retratar uma casa típica de uma família de renda baixa, com objetos típicos daquela década: quadros religiosos em molduras de plástico, vassoura de piaçava, bibelôs de gesso, frutas de plástico, toalhinhas com bordas de crochê... (quem foi criança nesse período dos anos 90, certo que vai identificar como a casa da tia, da vó ou da amiga da mãe...).
O cuidado era tanto que até o maço de cigarros de Ezequiel precisava passar para uma "atualização ao contrário".
O segundo obstáculo era deixar que trejeitos e reações cotidianas atuais, próprios dos atores, afetassem na montagem. Apesar do teatro realista exigir essa aproximação do real, muitas coisas que são abertamente discutidas e interpretadas com maior liberdade nos tempos atuais, anos 2000, na época de Ezequiel e Joana ainda eram tabus, como por exemplo o uso de drogas ou a relação do homem dentro de um casamento. Então, tanto o diretor quanto os atores, tinham que achar uma sintonia para que, mesmo que o espetáculo seja retratado nos anos 90, ele não seja estagnado e que ainda possua situações que são herdadas até hoje e que precisam ser discutidas.
Aí que está o foco do Amanhã Foi Outro Dia: mostrar para nós que por mais evoluídos que estamos, ainda assim patinamos em velhos valores e quando nos deparamos com uma situação extrema, quem pode nos dizer até onde vai o nosso senso de justiça, moral e bons costumes?
É um tapa na cara, pois saiu de um texto dos anos 60, passando por anos 90, chega aos anos 2000 e vimos que muito pouco mudou. O próprio Plínio diz: se meu teatro é necessário até os dias de hoje, significa que o mundo não evoluiu.
Foto: Anderson Martins |
****SPOILER ALERT!****
Se você chegou até aqui, muito obrigada pela dedicação! O que tenho a falar a partir de agora é o que torna o espetáculo único.
No mesmo período que Felipe foi apresentado ao texto Quando as Máquinas Param, em 2008, ele assistiu o filme Irreversível (2003), de Gaspar Noé, e apesar de naquela época não ter o menor sentido fazer uma convergência entre essas duas obras, que até então eram apenas tarefas de faculdade, ele pode juntá-las 5 anos depois com o Amanhã Foi Outro Dia.
Para quem ainda não conhece esse filme, conta a história de um homem (Marcus) em busca de descobrir quem foi a pessoa que agrediu e estuprou a namorada. Recomendo se tu tem estômago para assistir, pois ele é bem intenso. Mas o que chamou a atenção de Felipe não foi a história propriamente dita, mas como ela foi contada. O filme começa pelo final, ou seja, começa com Marcus encontrando o estuprador e acaba matando-o. Antes que tu pense "ai, aí já acabou com o filme", o fato de começar de trás para frente te induz a querer saber como o enredo chegou até ali. E era isso que Felipe buscava com o espetáculo.
Com Nina e Zé, de Plínio, o clímax (a notícia de gravidez, pedido de aborto e agressão) é apresentado no final da peça, você, como espectador, "entende" a linha de raciocínio de Zé, pois percorreu o texto todo até ali. Com Ezequiel e Joana, de Felipe, o clímax é apresentado logo no primeiro quadro, você, como espectador, se pergunta o que o fez agir daquela forma, assim, a sua linha de raciocínio é revertida.
Em miúdos: enquanto que na versão de Plínio pensamos em até que ponto essa história vai se desenrolar, na versão de Felipe pensamos em como a história chegou a esse ponto. Captou a diferença?!
Ficou interessado como isso foi feito, né não? Pois é, agora não vou falar meeeeeeeeeeeermo, tu terá que assistir (precisamos ganhar nosso pão de cada dia, né?). Anota aí, que esse espetáculo tá fazendo parte da programação do EM CARTAZ 2018.
AMANHÃ FOI OUTRO DIA no EM CARTAZ 2018
15 e 16 de junho de 2018 - 20h30
Espaço Cultural Victorio Faccin
Rua Duque de Caxias, 380 - Rosário
Ingressos: R$ 20,00 (geral) - R$ 15,00 (antecipado) e
R$ 10,00 (estudantes e idosos)
E aí? O que achou desse processo? Comenta aqui embaixo pra tia e venha ver de pertinho o resultado!
Até a próxima!
Já estou com meu ingresso garantido para amanhã. Confesso que há tempos quero assistir a peça, mas nunca consegui. Depois de ler o post e entender como foi a construção de toda história desde seus primórdios, me dão a certeza que vai ser um grande espetáculo. Todos estão de parabéns pelo grande trabalho e por promoverem o desenvolvimento e incentivo da cultura em Santa Maria.
ResponderExcluirOi Iuri!!!!
ResponderExcluirQue bom que tu curtiu a postagem, esperamos que tenha gostado do espetáculo e fique à vontade para dar o seu feedback, pois sempre pensamos em melhorar o nosso trabalho para que você tenha a melhor experiência!
Novamente muito obrigado pelo apoio e carinho,
Equipe Por Que Não?