Oi lindos!!
Como vocês podem ver aqui e aqui, fizemos esse espacinho para você saber um pouco mais sobre como montamos nossos espetáculos.
Hoje a gente vai falar de algo que não é tão bacana, mas que deixa um monte de gente morrendo de curiosidade em saber como se faz isso em cena.
Tiro, porrada e bomba: como é que fazemos cenas violentas?!
É claro que ninguém gosta de apanhar, né? Mas volta e meia cai em nossas mãos um texto em que o iluminado do dramaturgo coloca cenas mais intensas.
O que fazer nessas horas?
a) Deixar que o ônus de ser ator bata na sua cara e se entregar de corpo e alma para tapas, socos e rasteiras?
b) Levar pro pessoal, se tomar forte na cara, vai revidar em dobro, pensando que isso só vai agregar valor à cena?
c) Contratar alguém que tenha a façanha de tomar na cara e que possa ser o seu dublê?
d) Desistir de ser atriz e ver que essa vida não é pra você?
e) Nenhuma alternativa acima.
Antes que você já ligue para o Disque Denúncia, calma lá! Te digo que é possível fazer cenas de violência sem derramar uma gota de sangue ou fazer um hematoma.
São diversas formas de se conseguir fazer cenas violentas: alguns grupos fazem treinamento com alguma arte marcial específica, outros procuram marcar movimentos e reproduzir cenas retiradas de outras fontes como filme, videoclipes, outros se inspiram em passos de dança e logo depois transpõe para uma cena de luta. Todos esses vieses tem uma coisa em comum: consciência corporal.
Uma coisa é certa: quando se trata de pancadaria, tudo tem que ser bem calculado, para não sair apanhando de graça. Não dá para fazer a cena sem concentração, sem paciência e sem ensaio, pois um deslize pode comprometer a integridade do artista. (falei bonito agora, né non?)
Tô enrolando, enrolando e não tô te falando como a gente faz, né? Então vou usar como exemplo um dos nossos espetáculos e aí espero que tenha conseguido te explicar, ok?
O Abajur Lilás (2009-2012)
O finadinho espetáculo foi o que mais houve cenas de violência aqui no nosso catálogo. Não é por menos, pois se tratava de um texto extremamente intenso: conta a história de Dilma, Célia e Leninha, três prostitutas que vivem sob o mando do cafetão Giro e seu capanga Osvaldo.
Vou tentar resumir ao máximo sobre o que se trata o texto. Respira fundo e vai...
O texto começa mostrando o quão degradante é o ambiente do bordel, com Dilma terminando mais uma noite de intenso trabalho. Mesmo tendo trabalhado o máximo que pode, é pressionada por Giro para fazer mais dinheiro. Em meio a discussão, Célia chega bêbada e causa tumulto. No dia seguinte, antes de começar mais um dia de batente, Dilma e Célia conversam a possibilidade de uma das duas estarem com tuberculose, Célia acaba desabafando sobre a vida horrível que levam e decide se rebelar, quebrando um abajur lilás. Dilma sabe que isso pode prejudicar ainda mais a situação dela e decide sair. Nesse meio tempo, Giro contrata Leninha, uma prostituta nova que poderá garantir maiores lucros para o bordel. Chegando no quarto de Célia e Dilma, Giro se depara com o abajur quebrado e fica furioso, porém, com Leninha perto, não quer causar muita bagunça e decide comprar outro abajur. Em seguida há o encontro das três colegas de trabalho, onde Dilma não quer falar sobre o abajur e Célia ainda continua emputecida. No meio da discussão, Célia quebra o abajur novo, e dessa vez Dilma é tomada por uma fúria e vai para cima de Célia. Leninha escapa antes que a culpa recaia nela. Com o quarto vazio, Osvaldo chega, vê o abajur quebrado e decide quebrar todo o quarto, pensando na consequencia que cairá sobre as meninas. Achando que o quarto quebrado foi obra das prostitutas, Giro começa uma sessão de interrogatório para descobrir quem foi que quebrou os dois abajures e o quarto. Utilizando de métodos aplicados de tortura que realmente aconteciam no país nos anos 60, Giro pressiona uma a uma para que entregue a culpada. Dilma desmaia, mas não denuncia. Leninha tenta não falar, mas acaba denunciando Célia. Sem ouvir os pedidos de desculpas de Célia, Osvaldo descarrega uma arma em cima dela. Terminada a sessão de tortura, Giro pede para as meninas se recomporem, limparem o quarto e irem trabalhar.
Tenso, não é mesmo? Esse texto é de Plínio Marcos e é um retrato do Brasil no final dos anos 60, principalmente se tratando de perseguição militar, caça à contraventores, tortura e sumiço de pessoas.
No texto original as torturas finais retratadas eram: queimaduras de cigarro, bicos dos seios apertados com alicate (Dilma), pau de arara (Leninha) e disparos de arma (Célia). Pensando em viabilidade e também na pouca experiência que tínhamos, substituímos o alicate por afogamento e a arma por martelo.
As cenas eram ensaiadas isoladas e demarcadas, contando passos, medindo força em momentos de pegar as atrizes pelo cabelo e pela cintura, posicionando o corpo, etc. Logo após de feitas, eram repassadas repetidas vezes, sempre procurando mapear a cena.
Um exemplo era a cena do martelo que mataria Célia. A estrutura era: Célia agarra as pernas de Osvaldo - Osvaldo afasta Célia com o pé no ombro dela - Célia cai - Osvaldo guia Célia até o ponto de impacto do martelo - Osvaldo apoia a mão sobre a cabeça de Célia - Osvaldo dá a primeira martelada na base ao lado da cabeça de Célia, previamente colocada - Célia relaxa totalmente o corpo.
Uma vez que a cena é mapeada, a fazíamos com maior tranquilidade, garantindo confiança em nossos colegas.
Foto: Gerarddo Martinez |
Uma coisa que aprendemos sobre consciência corporal é que quanto mais relaxado o corpo, menos arestas são feitas e, consequentemente, menos impactos isolados o corpo sofre. Um exemplo: por que bebês e pessoas bêbadas quando tomam um tombo não se machucam tanto? Porque tem anjos da guarda muito eficientes? Não. É porque o corpo está relaxado. Enquanto o bebê ainda não tem os reflexos apurados, o bêbado os tem anestesiados.
Mas alerto: quando falamos de corpo relaxado em cena não é sinônimo de corpo morto. É um corpo sem tensões desnecessárias. Pegando a cena do martelo, se Célia resistisse em cair no momento em que Osvaldo põe o pé no ombro dela, ele o faria com mais força que resultaria num pisão forte e uma possível lesão no ombro.
Chegamos no que denominamos como ação e reação. Pegamos a ideia de Newton e ajustamos para a nossa realidade - toda a ação gera uma reação MAS NÃO com o mesmo valor. Em miúdos, o que vemos como espectador é um pisão que Osvaldo dá em Célia, mas na realidade o Deivid (ator que fez esse personagem) apenas toca o ombro de Aline (quem fez a Célia). É o papel de Aline e Deivid representarem essa força.
Tipo assim?
Tipo assim?
Hehehehe, não, não precisa ser tão visceral assim, que nem esse tiozinho aí de cima. No caso de Abajur Lilás, as ações e reações tinham que ser mais próximas do real. Além da cena do martelo descrita e as cenas de torturas que comentei antes, tínhamos as seguintes agressóes cênicas:
- Puxões de cabelo;
- Tapas;
- Rasteiras;
- Enforcamento;
- Chutes;
- Xingamentos;
- e até cusparada na cara.
Tenho que admitir que nos primeiros ensaios e as primeiras apresentações, as agressões saíam de linha e acabavam machucando mesmo. Aí entra o bom senso do elenco e da mediação do diretor: passávamos ensaios e mais ensaios discutindo qual seria a melhor forma de fazer tal cena sem que nem ninguém se machuque. Era de suma importância nos sentir livres em comunicar se alguma coisa estava nos incomodando para não perder principalmente o respeito entre nós.
Depois de O Abajur Lilás, o único espetáculo que restou que tem cenas violentas é o Travessias, mas ainda assim não é tão intenso quanto o Abajur.
Em uma das poucas cenas com agressão em Travessias, o menino obriga a menina a limpar o chão que até então estava desenhado. Como ela demora a apagar o desenho, o menino decide "ajudá-la", limpando o chão com o próprio corpo da menina, ou seja, a arrastando no chão.
Foto: Divulgação TPQN? |
Nesse caso, muda um pouco o trabalho corporal. Enquanto no Abajur buscávamos tirar tensões para a queda ser melhor amortecida, no Travessias, a atriz tinha que manter o torso firme para que o ator conseguisse carregá-la sem esforço.
Novamente pontuo aqui, é tudo questão de consciência corporal. É saber como cada músculo do nosso corpo trabalha e treiná-lo para ser usado no momento certo. Temos nossos reflexos, que são involuntários, mas com treino e ensaio, condicionamos a retardar suas ações.
Em caso de cenas de agressões, a improvisação não é bem-vinda e pode causar um grande estrago na apresentação. Querer criar uma ação na hora em uma cena que veio ensaiada várias vezes, tem muito mais chances de dar errado e de alguém acabar saindo machucado, do que dar certo e ser uma bela cena. Portanto, não banque o bonzão nessas horas, siga direitinho o que foi ensaiado que tudo sairá bem.
Será que eu consegui matar a sua curiosidade?
Se não, deixe as suas perguntas aqui que em breve a tia vai responder, beleza?!
*"Quando o pau cai a fôia" é uma expressão mineira que significa que a briga vai acontecer. Sinônimos: "quando pau vai comer", "quando a cobra vai fumar", "quando a casa cai", puzando pra terra gaúcha "pretiou os zóio da gatiada".
É....e o pau cai a foia...
ResponderExcluirMuito bom.... parabéns...